quinta-feira, 15 de maio de 2008

Moinhos de vento...


Senhor meu, Sancho Pança enlouquecido, 
Servo vencido 
Na terra sonhada, 
Tem a coragem da verdade nua: 
Olha esta Ibéria que te foi roubada, 
E que só terá paz quando for tua.


Ergue a fronte dobrada 
E começa a façanha prometida! 
Cumpre o voto da nova arremetida, 
Feito aos pés de quem foi 
O destemido herói 
Da batalha de ser fiel à vida!


Nega-se a ser passiva testemunha 
Do amor cobiçoso 
Que os falsos namorados 
Fazem crer impoluto e arrebatado 
Àquela que reflecte o céu lavado 
Nos olhos confiados.


Venha o teu grito de transfigurado: 
Ai, no se muere!... E a Donzela acorda 
E renega o idílio traiçoeiro. 
Venha o Sancho da lança e do arado, 
E a Dulcineia terá, vivo a seu lado, 
O senhor D. Quixote verdadeiro!


PESADELO DE D. QUIXOTE


Sancho: ouço uma voz etérea 
Que nos chama... 
Ibéria, dizes tu?!... Disseste Ibéria?! 
Acorda, Sancho, é ela a nossa dama!


Pois de quem hão-de ser estes gemidos?! 
Pois de quem hão-de ser?! 
Só dela, Sancho, que nos meus ouvidos 
Anda o seu coração a padecer...


Ergue-te Sancho! Quais moinhos?! Quais?! 
Ai! Pobre Sancho, que não sabes ver 
Em moinhos iguais 
Qual deles é só moinho de moer!...


[Miguel Torga, in Poemas Ibéricos (1965)]


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