quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A Curva dos Teus Olhos



A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito
É uma dança de roda e de doçura.
Berço nocturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.

Folhas do dia e musgos do orvalho,
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.

Perfume esparso de um manancial de auroras
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.

Paul Eluard, in "Algumas das Palavras"
Tradução de António Ramos Rosa

Solidão


Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso

Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio

É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou

Mas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resigna

Longe
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

Em Todas as Ruas te Encontro


Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Mário Cesariny, in "Pena Capital"


quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Eu queria

Eu queria
Eu queria conhecer todos os mistérios do amor,
principalmente os de minha paixão,
e a maestria de saber conquistar o seu.

Eu queria conhecer tal um gênio,
todas as notas musicais,
principalmente as mais sonoras,
queria dominar o dom do canto
e buscar no fundo da alma,
cantigas de ninar para acalentar os seus sonhos.

Eu queria conhecer como ninguém a matemática,
principalmente no tocante a multiplicação
e aumentar as suas alegrias,
povoar de sentido a sua vida e matar de vez a sua solidão.

Eu queria conhecer todos os segredos do amanhã,
principalmente dos seus passos,
queria ter o poder de viajar no futuro
e recolher todas as possíveis pedras do seu caminho.

Eu queria conhecer toda a ciência das cores,
principalmente as mais vivas,
queria ter poder sobre elas,
misturá-las com magia
e colorir a sua existência tal qual uma aquarela.

Eu queria conhecer todas as palavras dos dicionários,
principalmente as mais expressivas,
queria dominá-las e ao comando de minha voz,
reunir as mais belas e compor um ramalhete de poesias para você.


Eu queria tantas coisas...tantas...tantas... coisas difíceis de se ter, mas que seriam mais fáceis se conseguisse conquistar você...

Autor Desconhecido

sábado, 3 de janeiro de 2009

Enfeite-se ...




Enfeite-se com margaridas e ternuras
e escove a alma com flores,
com leves fricções de esperança.
De alma escovada e coração acelerado,
saia do quintal de si mesmo e descubra o
próprio jardim.
.
Carlos Drummond de Andrade