sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Espinheira



Eta espinheira danada
Que pobre atravessa pra sobreviver
Vive com a carga nas costas
E as dores que sente não pode dizer;

Sonha com as belas promessas
De gente importante que tem ao redor
Quando entrar o fulano
Sair o ciclano será bem melhor
Mas entra ano e sai ano
E o tal de fulano ainda é pior
Esse é meu cotidiano
Mais eu não me dano pois Deus é maior.

O mundo não acaba aqui
O mundo ainda está de pé

Enquanto deus me der a vida
Levarei comigo esperança e fé!

Eta que gente danada
Que esquece de vez a palavra cristã
Ah, eu queria só ver
Se Deus se zangasse e voltasse amanhã;

Seria um ?Deus nos Acuda?
Um monte de Judas querendo perdão
Com tanta gente graúda
Implorando ajuda com a bíblia na mão

Mais a esperança é miúda
E a coisa não muda não tem solução:
Nem tudo que a gente estuda,
Se agarra e se gruda, rebenta no chão!

(Manoelito Nunes E Dalvan)

terça-feira, 23 de setembro de 2008

POEMA DE PRIMAVERA




Metamorfose dos encantos

Encaixe dos sentimentos

Delicadezas se ondulam em flores

Nas asas da imaginação

Seu sorriso, meu disfarce

Me perco no equinócio do seu florescer

Num canto bem adubado do meu coração

Outra semente germina

Pulula em vida pós-inverno

De begônias e hortênsias

Ornando meu caminhar.

Quem hibernou, involuntário

Ao saltar para a primavera

Encontra suave brisa

A refrescar a tez acalorada febrilmente.

Enfim vitória de uma semente

É primavera chegando

A esperança renascendo

O colorido tingindo

O caminho do passante

Desencasula... para a vida

Desacrisola... para a maturidade

As forças da natureza me deixam e êxtase

Momento de recomeçar

Floreça em mim a primavera de minh'alma

As lágrimas transformem-se em suave brisa

Ou num orvalho manso a regar meu coração...

Estação das flores dentro de mim,

Reaja ao inverno sequioso dos sonhos meus

E brotem novos sonhos

Novas forças,

Nova vontade de sonhar.

Caminho lentamente, mas com firmeza

Esqueço o que doeu

Apago o traço da dor

Aborto a palavra saudade

Construo ruas de felicidade

Onde dançarei a dança da paz

Com o arco-iris a brincar

Ao vento vão os pensamentos

Novos sonhos, novos alentos

O tempo... ah, o tempo!

Meu íntimo confidente,

A primavera me trouxe.

Um dia novo está surgindo

Um sonho novo me envolve

Vida nova...Saúde...Paz...

Enfim, a primavera me beija a face.


Alice Poltronieri

Primavera



A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.
Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.
Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.
Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.
Cecília Meireles


Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Sempre, para sempre


Há amor amigo

Amor rebelde

Amor antigo

Amor da pele



Há amor tão longe

Amor distante

Amor de olhos

Amor de amante



Há amor de inverno

Amor de verão

Amor que rouba

Como um ladrão



Há amor passageiro

Amor não amado

Amor que aparece

Amor descartado
Há amor despido

Amor ausente

Amor de corpo

E sangue, bem quente



Há amor adulto

Amor pensado

Amor sem insulto

Mas nunca, nunca tocado



Há amor secreto

De cheiro intenso

Amor tão próximo

Amor de incenso



Há amor que mata

Amor que mente

Amor que nada, mas nada

Te faz contente, me faz contente



Há amor tão fraco

Amor não assumido

Amor de quarto

Que faz sentido



Há amor eterno

Sem nunca, talvez

Amor tão certo

Que acaba de vez



Há amor de certezas

Que não trará dor

Amor que afinal

É amor,

Sem amor



O amor é tudo,

Tudo isto

E nada disto

Para tanta gente



É acabar de maneira igual

E recomeçar

Um amor diferente

Sempre, para sempre

Para sempre



Donna Maria



segunda-feira, 1 de setembro de 2008

SE EU FOSSE POETA...

















SE EU FOSSE POETA...

Te faria um poema,
Falando de amor.
Abusaria de temas,
Do aroma da flor.
Versejaria erudito,
Um canto bendito.
Para te enaltecer.
Louvaria sua beleza,
Sua docilidade.
Com certeza,
Usaria toda fertilidade
Da mente.
As rimas mais preciosas
Sente,
a candura dos verbetes.
Sensibilidade valiosa.
Uma ária em falsête,
Ou o bolero de Ravel.
A magia de Neruda,
A arte de Renoir.
Faria elegias ao céu.
Abusara do verbo amar.
Ah!...Se fosse eu um poeta!...

*[gustavo drummond]

EU LEVO SEU CORAÇÃO COMIGO

















EU LEVO SEU CORAÇÃO COMIGO

eu levo seu coração comigo (eu o levo no
meu coração) eu nunca estou sem ele (onde quer
que eu vá você irá, minha querida; e o que é feito
só por mim é seu feito, minha amada)
não temo
o destino (pois você é meu destino, meu encanto) não quero
o mundo (pela beleza de você ser meu mundo, minha verdade)
e você é tudo o que a lua sempre representou
e tudo que um sol irá louvar será você

eis o maior segredo que ninguém conhece
(eis a raiz da raiz e o broto do broto
e o céu do céu de uma árvore chamada vida;
que cresce além do que a alma sonharia ou a mente poderia esconder)
e este é o milagre que mantém as estrelas afastadas

eu levo seu coração (eu o levo no meu coração)

E.E. Cummings